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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Edroso na Revista ADRA

Extraído do documento publicado na Revista Adra- Revista do Museo do Pobo Galego

Autor: Sacramento, Octávio. 2007. ""Consumo contido: práticas aquisitivas no contexto do comércio ambulante, em meio rural"", ADRA: Revista do Museo do Pobo Galego, 2: 23 - 37.
Para ler o texto completo aceder a http://www.museodopobo.es/revista-adra.php



CONSUMO CONTIDO: PRÁTICAS AQUISITIVAS NO CONTEXTO DO COMÉRCIO AMBULANTE, EM MEIO RURAL
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" Significa apenas e só uma coisa, que parece ser mais ou menos consensual: a cidade é o nicho ecológico por excelência do consumismo.
Não é por acaso, nem mesmo de estranhar, que a pesquisa social sobre este fenómeno tenha vindo a privilegiar o espaço urbano, relegando para segundo plano os contextos de características mais marcadamente rurais. Este é o principal motivo que me leva a desenvolver aqui algumas considerações sobre as práticas e dinâmicas sociais de consumo num meio que ainda conserva evidentes traços de ruralidade  – Edroso de Lomba–, uma pequena aldeia portuguesa da raia nordeste-transmontana, com 87 habitantes, situada no concelho de Vinhais, distrito de Bragança.
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À excepção de alguns dos principais bens agro-alimentares (ex. batatas, legumes e fumeiro) produzidos essencialmente para auto-consumo, a maioria dos restantes bens consumidos nesta comunidade, tal como acontece em outras da região, são comprados aos vendedores ambulantes que aí se deslocam.
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O início da década de 90 constitui um ponto de viragem na organização da estrutura e dos processos sociais de consumo em Edroso de Lomba. É por esta altura que, em virtude do progressivo declínio populacional, são encerradas as duas tabernas que durante várias décadas se afirmaram como os espaços públicos centrais de sociabilidade e de consumo da comunidade. Era aí que as pessoas se encontravam nos seus tempos de “não-trabalho”, para jogar às cartas e botar um copo, e era aí que adquiriam praticamente todos os bens necessários para o consumo quotidiano que não obtinham por produção própria: arroz, açúcar, azeite, sal, massa, café, gás de botija, entre outros. 3 Alguns dos bens que não eram comercializados na taberna, como era o caso do peixe, eram comprados a vendedores ambulantes que, de tempos a tempos, vinham à aldeia. Eram vendedores mais ou menos especializados (ex.: o peixeiro 4) e, por isso, complementares em relação às tabernas. Outros bens que não chegavam a Edroso de Lomba, ou então chegavam, mas a preços pouco atractivos, eram adquiridos fora, mormente nos dois comércios existentes na Veiga do Seixo, uma pequena povoação galega fronteiriça a cerca de 7km. Tratava-se de pequeno trelo (contrabando) destinado ao auto-consumo, realizando-se a pé, por pequenos trilhos, de forma a fugir (nem sempre com sucesso) à apertada   fiscalização das então autoridades aduaneiras de Portugal e Espanha, a Guarda-Fiscal e os Carabineiros, respectivamente.
Como recorda um homem de 77 anos, só se viam carreirões [pequenos caminhos] pelos montes. Estava tudo tão puídinho; era só borralho! Era por ali que passávamos para ir à Veiga comprar coisas. Às vezes, os “caralhos” dos Fiscais ficavam-nos com tudo…com coisas que eram para manter os fi lhos… a família!. Além destas compras transfronteiriças, era também frequente as pessoas deslocarem-se a Vinhais, sede de concelho a cerca de 30 km, para acederem a determinados bens de consumo, aproveitando para o efeito quase sempre os dias de feira. Esta prática tornou-se ainda mais frequente com a melhoria dos transportes e a progressiva utilização do automóvel.
O encerramento das tabernas e o crescente envelhecimento da população, a que poderá ser associada uma tendência generalizada de menor disponibilidade para sair da aldeia para fazer compras, criam condições decisivas para uma significativa reconfiguração estrutural dos processos de consumo. As “mercearias” que até então eram sobretudo adquiridas num contexto marcadamente institucional(izado) e de grande  convergência social, a taberna, passam agora a ser adquiridas ao vendedor ambulante, mesmo ao lado da porta de casa, em plena rua. Na actualidade, por semana, Edroso de Lomba recebe de forma regular a visita de 13 comerciantes, mais um que se desloca à aldeia aproximadamente de 15 em 15 dias. São quase todos oriundos dos concelhos de Mirandela, Vinhais, Chaves ou então de pequenas localidades galegas próximas da fronteira, como é o caso de Riós, Pereiro e Veiga do Seixo.
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A dimensão social do consumo em Edroso de Lomba torna-se particularmente visível nos conjuntos de pessoas que se vão formando à medida que o vendedor, na sua carrinha, percorre a aldeia, seguindo um percurso mais ou menos padronizado, que já quase todos conhecem, e parando sobretudo nos principais espaços públicos (largos) de confluência da comunidade: Campo, Vale de Castanheira, Portela, Bárrio e Conselho. No seio destes pequenos grupos estruturados em redor do comerciante discutem-se não só questões relacionadas com as compras (ex.: qualidade dos produtos e preços), como também vários outros assuntos pessoais e aspectos da vida quotidiana da comunidade, ou de outras latitudes. É também bastante frequente discutirem-se as novidades trazidas pelos próprios comerciantes, muito em particular pelos transfronteiriços. Com efeito, os que vêm da Galiza costumam transmitir informações sobre acontecimentos da respectiva região e país, sobretudo aquelas que mais directamente se relacionam com Portugal. As conversas, por vezes, são de tal modo envolventes que, não raro, as mulheres que já fizeram as suas compras permanecem no local a falar com as que ainda estão à espera de ser atendidas ou com um ou outro homem que veio a acompanhar a sua esposa. Nalguns casos, o comerciante vai-se embora e o grupo ainda se mantém por mais algum tempo a dialogar. Este é, por tanto, um contexto de consumo de considerável capitalização social, marcado por uma expressiva sociabilidade feminina."




3 As compras ficavam quase sempre a cargo das mulheres. Quando por qualquer motivo não podiam deslocar-se à taberna, geralmente mandavam um filho ainda pequeno fazer o recado. Os homens, por seu lado, frequentavam a taberna sobretudo como espaço de lazer, um espaço caracterizado por um ambiente de forte homossociabilidade pouco receptivo à presença feminina.


4 Ainda hoje as pessoas mais idosas têm memória do peixeiro que trazia o peixe (sobretudo sardinhas) coberto com sal, acondicionado em caixotes de madeira inseridos em alforges transportados por burros. Por volta da década de 60, o peixe começou a ser transportado em pequenas camionetas e a ser preservado mediante o recurso ao gelo. Mais recentemente, o carro do peixe, como é conhecido na aldeia, passou a dispor de uma câmara frigorífica para assegurar a conservação do pescado.

E por fim, em tempos de crise não posso deixar de publicar um pouco mais do texto:

" ... além dos factores de natureza mais económica, a grande importância que, culturalmente, ainda é atribuída à poupança, à não ostentação e à moderação/sustentabilidade do nível de vida; valores dos quais decorre uma forte resistência ideológica à solicitação de crédito e às compras a prestações: Eu nunca gostei de ficar a dever, nem aos bancos, nem a ninguém. Sempre gostei de dormir descansado e de não ter de ficar  a dever nada a ninguém! Uma pessoa só deve ter aquilo que pode comprar! (homem, 72 anos). É até bastante comum a expressão quem não tem dinheiro, não tem vícios, que funciona para os actores sociais como mais um sinalizador valorativo da importância de adoptarem padrões de consumo e um nível de vida condizentes com as suas reais possibilidades.


A aversão social ao endividamento e o manifesto apreço pela poupança e pela sobriedade no consumo parecem representar uma espécie de ethos normativo da comunidade, para o qual terão contribuído
experiências de um passado não muito distante de manifesta escassez e privação..."

Agradecimento ao autor pelo envio do estudo.


9 comentários:

  1. Ainda fui algumas vezes à Veiga, era eu garota com outras mais velhas, buscar sapatilhas, chita para um vestidito, atada à cintura e as sapatilhas vinham logo calçadas para não nos serem tiradas pelos Guardas Fiscais

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  2. Fui mtas vezes a Castrellos, Rioz, Veiga, era mto jovem, os guardas nos tiravam as coisas e dpois colocavam em leilão na porta da igreja de Quiráz, como já disse tempos mto dificeis.

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  3. Nos q estamos longe é mto bom relembrar, sempre estou procurando noticias de Lomba.

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    1. Fazemos os possíveis para ir publicando noticias da terra, obrigado pela sua visita.

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  4. norberto rio diegues9 de maio de 2012 às 12:18

    julgo que esta linda historia, nos fez recuar a todos, muitos anos atrás. com o meu avo, herminio, iasmos muitas vezes, ao srº Daniel de castrelos, buscar pano para fazer calças, ele trazia o dito pano, enrrolado ao corpo, para não ser apanhado, pela guarda. tempos de fome, mas tempos de muita amizade e alegria.

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  5. norberto rio diegues9 de maio de 2012 às 12:31

    recordava aqui uma pequena historia, um homem de edroso, tinha ido a castrelos(espanha)buscar um garrafão de vinho de cantaro,(16 litros),depois de percorrer todos aqueles km,ja vinha perto do campo de futebol de edroso,quando a guarda fiscal,lhe apareceu. o homem triste e já muito cansado, ficou de rastos. os guardas ao verem o homem, já perto da terra olharam um para o outro, e diseram-lhe, amigo temos de lhe apreender o garrafão do vinho. o homem respondeu,deixem-me ao menos beber 2 pingas, uma grande e outra pequena. sim senhor disse os guardas. este pos o garrafão aõs queixos,(boca) glu glu glu glu glu,e levou o garrafão a meio e respirou. os guardas procuram, ao senhor, essa era a pinga grande ou a pequena..responde o homem, esta era pequena!!!!!! dis os guardas então então beba o resto..moral da historia, os guardas foram-se embora e o homem, ficou a dormir, em cima duns tójos.muitas pessoas,já muito venhinhas, recordam esta historia, como verdadeira.

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    1. Já ouvi essa história, é muito engraçada obrigado pela partilha.

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  6. Meu caro conterraneo, eu acho q sei quem era o dito homenzinho que bebeu os golinhos d vinho.Foi verdade.

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  7. História verdadeira, eu era mto garota e me lembro mais ou menos dessa do homem d Edroso,(como já disse RECORDAR È VIVER).

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